sábado, 23 de abril de 2016

Estamos ficando pobres?




Um projeto de lei do vereador Robert Burns, do PTC de Fortaleza quer obrigar os donos de estabelecimentos comerciais a dar o troco correto para os consumidores. Mesmo que seja um troco de 1 centavo. 

A justificativa?


Os comerciantes estariam se aproveitando da vergonha das pessoas em pedir o troco e estariam enriquecendo ilicitamente.


QUE MARAVILHA!

Finalmente um politico que entende e defende os nossos direitos de eleitores e cidadãos, correto?

Mais ou menos...


COMO ASSIM?

A idéia de criar uma lei para que as pessoas simplesmente cumpram o que é bom senso ou educação sempre me pareceu muito bizarra. Há uma lei em Fortaleza, por exemplo, que obriga as pessoas a dar  a preferência em filas de bancos e transportes públicos para idosos, grávidas e deficientes.

E precisa de lei pra isso?

Bom, mas voltando à questão do troco, devolver o dinheiro excedido pago pelo consumidor na compra de um produto ou serviço é básico, não tem nenhum segredo nisso. Ou pelo menos não deveria haver. 

Até aí nenhum problema.


A REALIDADE

O negócio começa a complicar quando se obriga o comerciante a dar troco até do menor valor da nosso querido real: 1 centavo. Sob pena de multa de 20 salários mínimos e até interdição do estabelecimento.

Mas me diz uma coisa, você tem visto muita moeda de 1 centavo por aí? 

Alguém lembra a última vez que viu uma moeda dessas?

Provavelmente não.

E a causa disso é a inflação.



DE NOVO ESSA MALDITA??

Quem não tem percebido nos últimos meses que aqueles 50 reais já não preenchem tanto o carrinho de compras quanto antes? Quem tem carro deve ter percebido que encher o tanque uma vez já não é mais suficiente para sua rotina do mês. E aqueles 4 reais, que compravam uma cerveja de 600ml em qualquer bar do Brasil agora só dá para comprar uma latinha em alguns deles.

Isso porque o nosso dinheiro está valendo menos. Literalmente.

Só em 2015, a inflação foi de 10,67%.

Se você, como a maioria dos brasileiros, não teve um aumento salarial no mesmo patamar, você está mais pobre. Ou menos rico, dependendo da sua renda. Em qualquer das situações, seu poder de compra diminuiu.

Vi alguns comentários animados na notícia sobre o projeto de lei do vereador:

"É isso mesmo, na Europa se dá o troco certinho"

Só  a título de comparação, sabe em quanto fechou a inflação da zona do Euro em 2015?


Isso mesmo. 53 vezes menos. 

Ou seja, nos lugares onde a inflação é mais baixa, o poder de compra do dinheiro se estende e o "prazo de validade" das moedinhas também.


MAS E AÍ, O VEREADOR?

Sendo pragmático, o projeto de lei do nosso querido vereador é totalmente fora da realidade e impossível de ser executado. Pelo simples fato de que a moeda de 1 centavo já não vale mais nada na nossa economia atual. Pelo fato do poder de compra dela ter se extinguido, as pessoas simplesmente não vem mais sentido em tê-la, quanto mais em exigi-la.

De modo mais cruel, a inflação afeta mais as camadas mais pobres da população, que tem menor capacidade de suportar aumentos nos preços dos produtos. Uma comparação simples e superficial sobre a questão: uma família que tem renda de R$ 1.000 vai ter muito mais dificuldade em absorver um aumento de R$ 150 na feira, do que uma família com a mesma estrutura, mas com renda de R$ 8.000.

De modo mais amplo, fazendo uma pesquisa rápida, vemos o quanto os projetos de lei dos legisladores brasileiros são descolados da realidade (e às vezes sem noção mesmo). 

Seja por má fé ou apenas por ignorância mesmo, a percepção geral que nos é passada é que o Navio Brasil está sendo conduzido por quem nunca viu o mar.

Leia também o texto que escrevi sobre a Operacionalização das Coisas, aqui!

12 comentários :

  1. Só assim entendi o sumiço das moedinhas de 1 centavo, de 5 está indo pelo mesmo caminho? Um vereador ali quis criar o dia do torcedor do Fortaleza. Então ? Kkkkk outra pergunta...nunca entendi essa de valores cobrados , exemplo. 1.99. Porq não colocam logo 2 reais? :/ Ta massa os assuntos abordados.

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Acho que é mais um artifício psicológico mesmo. É aquela história, meio milhão de reais sempre parece mais do que R$ 500 mil.
      Esse site explica de maneira bem leal essa teoria: http://hypescience.com/a-verdade-por-tras-do-r199/

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  4. No geral, está corretíssima sua avaliação. Mas como sua articulação está dividida em partes, vamos lá:

    1) quando estudei ética, uma coisa que me foi colocada como elementar é: a Lei existe para que se garanta o direito básico a qualquer pessoa. Se todos são bons e apenas um decide prejudicar alguém em benefício próprio, a Lei se institui como meio de equalização do todo. É ética se institui para que questionemos sobre o que está posto;
    2) A inflação é um dispositivo que assinala a redução do nosso poder de compra. Esse dispositivo tem função bem definida na relação de política econômica dos países, tomando-a numa perspectiva global. A inflação pode ser motivada propositalmente ou por medidas governamentais equivocadas. No caso do Brasil, temos uma combinação de fatores.
    3) A defasagem da moeda afeta mais severamente, justamente, aos menos abastados. Sendo estes, os que deixarão de exigir o seu "1" centavo de troco. Se, de um modo geral o modelo de consumo se relaciona às regras do mercado, nesse caso, a regra acaba, por NÃO equalizar a relação de consumo entre ricos e pobre. Mas, ao contrário, por favorecer aos mais abastados.
    4) Dessa forma, independentemente da intensão do "nosso" vereador, temos uma situação que condiciona os agentes do consumo a perpetuar uma regra que privilegia apenas a uma parcela do povo, a que mais consume.
    5)Concluindo, a Lei do amigo vereador, mais parece uma tentativa de engabelar ao povo, pois os impactos desta medida são nulos tanto para a economia local como para a global.

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    1. Excelentes observações Ricardo! Obrigado pelo comentário!

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  5. Observação simples, conclusiva e prudente. Já testemunhamos muitos planos para "cortar os ZEROS" e devolver o valor para este famoso 0,01 da moeda nacional. (O último foi o plano real).
    Quanto ao projeto de lei, esse tem fundamentos teóricos e razos. Ainda que pouco tenha a contribuir para um país onde existe lei que "pega" ou não "pega".
    Isto é, o vereador está fingindo que produz e nada mais.

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    1. É verdade Vantieh, quem sabe "jogando para a torcida".
      Valeu pelas observações!

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  6. Já precisei ler um projeto de lei que beneficiária a tributação de um ramo da prestação de serviços. A essência fazia até sentido, mas o formato era bizarro. Seria necessário alterar profundamente os programas geradores de obrigações acessórias pra atender uma única atividade. Esse tipo de detalhamento até existe, mas pra atender ramos como o dos combustíveis, que realmente demandam esse cuidado. Bom, o que quero dizer é que o legislador brinca de fazer lei como uma criança com tinta guache. Depois q sai das mãos deles, engancham num corpo técnico que tenta transformar fantasia em prática. Eis o cemitério das normas.
    Lama

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    1. É verdade. Quando a gente para pra pensar que a nossa sociedade, nossas cidades e nosso modo de viver estão sendo formatados por legisladores desse naipe, dá medo não?

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